Thursday, October 20, 2011

SABER ENTRAR E SABER SAIR


A vida em sociedade tem seus rituais e normas de convivência.
É comum ouvir alguém dizer no meio de uma conversa, que fulano “sabe entrar e sabe sair”. O indivíduo pode não ter educação formal, mas consegue entrar e sair dos ambientes sem problemas, porque sabe como se conduzir.
Na abertura dos Jogos Pan-americanos assisti a repetição de uma cena que vi nas Olimpíadas de Atenas. O repórter que narrava a entrada das delegações no estádio não sabia como descrever o comportamento dos atletas brasileiros que insistiam em pular, dançar e brincar de roda enquanto as delegações dos outros países desfilavam. Pura demonstração de que aqueles jovens “não sabem entrar”.
Quando a câmera mostrava a cena, o repórter dizia que estavam brincando ??! Mas, no meio de uma cerimônia de abertura em que todos estão sendo conduzidos aos seus lugares e que cada delegação está tendo a sua vez de ser saudada pelo público, um monte de rapazes e moças começa a pular e a cantar ignorando a cerimônia? Será que os atletas brasileiros queriam transformar a cerimônia num oba-oba geral? Foi mais um exemplo daquela inabilidade de se conduzir. Os atletas entraram no estádio, foram conduzidos aos seus lugares, mas quando deixados sem controle não sabem o que é cabível fazer naquele contexto. Ainda bem que não tinha ninguém sentado atrás deles.
Em Atenas, no ginásio redondo onde aconteciam as partidas de vôlei, eu olhava ao redor e via todo mundo sentado torcendo, com exceção de um ponto da arquibancada onde sempre havia uma embolação de gente que não sentava de modo nenhum e gritava e cantava o tempo todo. Os torcedores que compraram ingresso para sentar acima do grupo não podiam ver nada. O grupo cantava “Eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor”. Quando um atleta dava um passe bonito seja de qual time fosse, as pessoas aplaudiam. Os brasileiros só aplaudiam o seu time e vaiavam os adversários. Mostravam que “não sabiam entrar nem sair”.
Saber torcer, cumprimentar, conduzir uma conversa, usar o traje apropriado, se comportar num transporte público, numa mesa são algumas das situações simples onde o indivíduo mostra sua capacidade de se inserir no contexto.
Ainda no Pan, na competição de Tae kwon do, a árbitra teve que mandar a lutadora Rafaela retirar o capacete no final da luta para receber o resultado e cumprimentar a oponente. Na natação, o nadador brasileiro nadou com a touca errada e quase perdeu a medalha de ouro conquistada.
O chapéu é um acessório difícil para o brasileiro. Criado para proteger do sol, no Brasil deveria ser amplamente usado, mas não é o que se vê. Nos países frios, a primeira coisa que o indivíduo aprende é usar a vestimenta correta para proteger o corpo. Na Áustria, o primeiro marco do aprendizado da minha filha no jardim de infância foi aprender a amarrar o cadarço da bota. Depois ela aprendeu a comer numa mesa de restaurante, a fazer silêncio num concerto, a dizer obrigado e a pedir licença.
Na Áustria, se o indivíduo não “sabe entrar nem sair” ele sofre as conseqüências e acaba pressionado pela sociedade até aprender. No Brasil, o resultado mais grave desta inabilidade aparece no trânsito com 60 mil mortes e 400 mil mutilados. O brasileiro tem carro, mas não sabe se conduzir no trânsito. Ele faz fila dupla, anda pelo acostamento, para na faixa, não dá a vez aos pedestres e continua mostrando que não “sabe entrar nem sair”. 

Tuesday, October 18, 2011


DIREITO À BALADA

Quando os Bestie Boys lançaram “(You gotta) fight for your right (to party)” não imaginaram que o Brasil levaria o desafio tão a sério.  

Na luta pelos direitos humanos, os brasileiros conquistaram o direito à balada e no mês de Outubro este direito foi exercido plenamente.

Nas duas primeiras semanas, um festival de rock e um cantor estrangeiro tiraram milhares de jovens e adolescentes das escolas, sem que nem uma só voz da sociedade se levantasse para questionar esse êxodo escolar. Pelo contrário, pais e autoridades foram unânimes em apoiar publicamente o exercício deste direito básico. O jovem tem que se divertir, foi o consenso geral.

Apesar de não estarem acostumados a estudar em tempo integral, os jovens demonstraram grande disposição para enfrentar horas de balada ininterrupta. Pela manhã, a televisão mostrava os baladeiros jogados no chão dos aeroportos, como se as férias de verão já tivessem chegado. 

 Milhares deles passaram noites inteiras de pé, ouvindo músicas sobre o direito à prática da Californication, mesmo que os organizadores do festival tivessem vetado o direito de levar guarda-chuva para se proteger dos rigores do clima no local descampado.

Do outro lado da cidade, milhares de meninas adolescentes e até crianças de 8 anos, passaram horas na frente do hotel do cantor visitante e dias acampadas na fila para entrar no estádio onde ele se apresentaria. As mães sorridentes acamparam junto para garantir que as filhas desfrutassem do direito inalienável à balada. Pela televisão, vi uma psiquiatra explicando como a gritaria, o choro compulsivo e os atos de descontrole emocional dirigidos ao cantor eram bons para as adolescentes. Nenhuma autoridade escolar ou repórter lembrou que no dia seguinte tinha aula. Ficou claro que os que não foram estavam por fora.   

E, quase no final do mês, 800 adolescentes foram localizados numa festa num bairro ermo e distante da cidade. Eles planejavam passar a noite se drogando e consumindo as centenas de litros de bebidas alcoólicas encontradas na casa, mas a polícia invadiu o local, que pertencia a um jogador de futebol e checou a idade de cada um. Só saiu da casa quem o pai ou a mãe veio buscar. Mas muitos pais argumentaram que os filhos só queriam se divertir.     

Nos países onde a escola é o centro da vida dos adolescentes e jovens, existe a expressão “School Night”. É a noite que antecede o dia em que o aluno deverá ter aula. Ele não vai ao cinema naquela noite porque é uma “School Night”. Os pais e as autoridades sabem que para que haja um bom rendimento escolar na manhã seguinte, a preparação tem que começar na noite anterior. Por isso, os sites que vendem ingressos para shows das mesmas bandas que tocaram por aqui, vendem entradas para shows que naqueles países começam entre 7 e 8 horas da noite e não de madrugada nem duram até as cinco da manhã.