Quando voltei da última viagem, fiquei sem faxineira. Comecei a ligar para todas as que já trabalharam para mim e só achei a passadeira que foi a única disponível para vir fazer uma faxina. ‘Dona Maysa, tem uma coisa que vou dizer logo para não assustar a senhora....tô grávida’. A única que se dispôs a vir imediatamente está grávida de 6 meses, mesmo assim acabou efetivada no cargo com barriga e tudo.
Na semana passada, ela fez a primeira ultrasonografia, ‘É o que? Outro menino, Dona Maysa.’, Interessante, a primeira coisa que perguntamos antes mesmo que o ser humano desembarque nesta terra, é se é menino ou menina...
Saímos para comprar ‘alguma coisa gostosa’ para nosso carnaval gourmet em casa, quando vi uma miniatura de sandalinha havaiana pendurada na prateleira do supermercado. Comprei logo para o neném.

Mostro para Altair a foto que tirei da diarista passando aspirador na cozinha. É o ponto de partida da discussão deste domingo de carnaval. ‘Parece uma porta-bandeira’, rimos, ‘Mas a barriga não combina com rainha de bateria’ Altair conclui. Se não fosse a barriga, a moça de 26 anos e beleza atlética, bem que poderia empunhar uma bandeira de escola de samba, como aquela moça que desfilou com uma saia de penas de faisão de 30 mil reais. Se a saia fosse vendida no ebay daria para comprar 100 unidades do berço, que minha ajudante ainda não teve dinheiro para comprar.
O carnaval acende um holofote nas desigualdades da sociedade brasileira. O morador da comunidade precária e o cidadão do ‘asfalto’ (leia-se, os lugares privilegiados com infraestrutura[1]) compartilham a ilusão da igualdade, que não se materializa nos outros 360 dias do ano. Nessa atmosfera de faz-de-conta, o usuário de drogas, morador dos condomínios de luxo dança ao lado do traficante - seu fornecedor - que mora na favela, a mesma de onde o primeiro saiu, quando ‘subiu na vida’. É complicado.
Nos blocos, o favelado simples coloca uma máscara de super-heroi para viver a ilusão da super saúde, que não precisa de hospital ou veste um jaleco para mostrar que mesmo sem escola pode ser doutor, enquanto o cidadão do asfalto alimenta a ilusão de ser importante, vestindo uma camisa da seleção de futebol. Me engana que eu gosto é o enredo oficial desta sociedade.
Pelo que sei, o bebê é fruto de um amor consolidado, que resulta numa atividade sexual lícita e planejada. No carnaval, a mídia proclama dias de ‘pegação’, sexo livre, consagração dos desvios sexuais e de liberdade de orientação sexual. A ilusão da irresponsabilidade sexual inconsequente é desfilada sob o som excitante dos tambores. A dignidade da mulher e da maternidade é substituída, na passarela, pela exaltação do corpo da prostituta devassa. As formas, a cobiça, a superficialidade, a materialidade são celebrados. A trabalhadora que faz faxina durante 8 horas preparando sua casa humilde para receber o bebê gerado com amor, sobrevive sem assistência médica, infraestrutura, transporte público decente e outros direitos humanos, enquanto a musa do carnaval é premiada com rios de dinheiro e aplausos por sua atuação oca e infrutífera.
Lá fora o carnaval continua... No ar o som dos tambores, nas veias de milhões, o álcool, nas estradas os milhares de acidentes contabilizados, nos necrotérios as centenas de corpos resultado da ‘liberdade’ dos dias de carnaval e, a novidade do ano, muitos homens e mulheres presos por praticarem ‘ato obsceno em local público’ pelos cantos da cidade...
‘A realidade das diaristas do Brasil também é obscena. Devia ser exibida em local público’, comento, mas isso já é um tema para o próximo carnaval.
[1] Infraestrutura do Brasil é reprovada em estudo
Comparado a outros 20 país, Brasil ocupa a 17ª posição no quesito qualidade geral da infraestrutura
A qualidade da infraestrutura brasileira é das piores no mundo, mesmo com a arrancada dos investimentos nos últimos quatro anos. Comparado a outros 20 países, com os quais concorre no mercado global, o Brasil ficou na 17ª colocação no quesito qualidade geral da infraestrutura, empatado com a Colômbia. Numa escala de 1 a 7, o país teve nota 3,4 - abaixo da média mundial, de 4,1.
As informações são de um estudo inédito da LCA Consultores, cuja fonte foi o relatório de competitividade 2009/2010 do Fórum Econômico Mundial, em Genebra, na Suíça. A avaliação é feita por empresários e especialistas de cada nação. No Brasil, 181 questionários foram respondidos. A má qualidade de estradas, portos, ferrovias e aeroportos brasileiros não chega a ser novidade. Mas faltava uma comparação internacional que desse uma noção mais clara de como o país está atrasado.
Cenário - A distância que separa o Brasil das primeiras posições é enorme. A França, que ocupa o topo da lista, teve nota 6,6, seguida de Alemanha (6,5) e dos Estados Unidos (5,9). Entre as outras nações que deixaram o país para trás estão o México, a China, a Turquia, a África do Sul e o Chile